Estar satisfeito com o próprio corpo é algo raro atualmente. São sempre, pelo menos, dois quilinhos que devem ser perdidos ou uma linha de expressão que deve ser apagada. As marcas das experiências vividas são interessantes somente pela fala ou pela escrita de quem não se implica no próprio corpo.

Entendemos que o “eu” de cada um de nós se constrói a partir dos elementos internos (aquilo que enxergamos intimamente sobre nós). Logo, não nos enxergamos como imagem total e factual, mas sim como construção influenciada pelo nosso imaginário.

Segundo a psicanalise, todo indivíduo constitui o seu eu corporal a partir de identificações, ou seja, a partir da relação com o mundo (pessoas externas). Por isso a  possibilidade da pessoa não conseguir enxergar o próprio corpo como realmente é na frente do espelho, é mais comum do que imaginamos.

A forma que nos enxergamos fala mais do reflexo das nossas questões internas e menos da realidade visual. É comum quando estamos em um dia ruim, em que o estado de espírito não está bem, nos sentirmos feios, desajustados e inquietos. Existem pessoas que, em função deste estado de humor, querem mudar o corpo ou o cabelo, pois acreditam que, ao transformar a insatisfação percebida no espelho, algo se transformará internamente. Não é assim, a experiência mostra que há muito mais arrependimentos que resolusões quando a mudança externa tenta dar conta de um conflito interno.

Ainda hoje enfrentamos as questões relacionados a uma beleza inalcançável e a tentativa de afastar a velhice como se fosse uma exigência cultural e social. Corpos que não estão em acordo com o ideal social ou rugas que aparecem “antes do tempo” são motivações para as corridas em clínicas estéticas e médicas. A busca por cirurgias plásticas, por exemplo, pode estar relacionada à necessidade de suprir uma carência interna ou a uma aceitação de si mesmo que só encontra caminho possível neste ideal de beleza.

No Brasil, os procedimentos estéticos, invasivos ou não, crescem ano a ano e nos colocam nos primeiros lugares nesta corrida quando comparados a outros países da Europa e mesmo os EUA. Somos considerados o país com o maior mercado cosmético do mundo. Essas posições expressivas dizem muito sobre nossas possibilidades de pesquisa, mas também nos interroga sobre o que nos movimenta tanto nesta busca pela beleza.

De acordo com a psicanálise, o corpo tem a ver com a “constituição de eu” e quanto mais este eu se percebe desorganizado ou insatisfeito, mais o corpo será apreendido com descontentamento.

Obviamente, todos estamos vulneráveis a certas insatisfações diárias. Às vezes mais, às vezes menos, mas todos podemos ter alguns desgostos corporais. Isso pode ser motivo ou justificativa para termos uma vida mais saudável ou um tratamento mais amoroso com nosso próprio corpo, por exemplo, quando resolvemos ter uma alimentação mais saudável, fazer alguma atividade física ou mesmo utilizar algum cosmético para alimentar a pele com vitaminas necessárias.

O problema está quando a busca da beleza se transforma em sofrimento, em afastamento de pessoas e até em lesões físicas, que podem gerar a patologia chamada dismorfofobia. A dismorfofobia é quando ocorre a percepção distorcida da própria imagem, ou seja, a pessoa não se reconhece com imperfeições mínimas, mas sim enxerga no espelho algo que está bem fora da sua realidade corporal. Acontece por exemplo, nos transtornos alimentares, como anorexia, onde a pessoa se enxerga mais gorda do que realmente é ou na vigorexia, onde a pessoa nunca acha que tem músculos suficientes e em outras formas em que a pessoa se vê muito diferente do que é.

Esta falta de percepção da totalidade do “eu”  carregaremos pela vida inteira e nunca nos percebemos como seres completos. Se assim fosse, nós não teríamos os problemas que temos em com relação à nossa imagem ou a “quem somos”. Além disso, nossa necessidade de reconhecimento é constitucional. Ou seja, nos reconhecemos na medida em que o outro (seja lá que for) nos reconheça. Isso acontece desde o nascimento, pois somos seres que dependemos de um outro para sobrevivermos. O olhar do outro – inicialmente a mãe e familiares – se torna imprescindível na construção do nosso eu. Muitas pessoas que não tiveram na infância segurança deste olhar, se tornam adultos com baixa autoestima.

Na vida adulta, buscamos reconhecimento através do olhar do marido ou da mulher, dos colegas de trabalho ou dos chefes, dos professores ou dos amigos. Hoje também,  através das curtidas nas redes sociais.

Nosso corpo sofre essas marcas de reconhecimento e de não reconhecimento. A pergunta “quem sou eu?” mistura psiquismo e corpo, assim como a resposta para “sou bonita ou sou feia” acaba tendo que vir do outro para me confirmar. A independência do olhar do outro é ilusória, mas a dependência não precisa ser total, absoluta e prioritária.

É possível viver sem exigir demais de si para satisfazer o olhar do outro – de um outro que nem sempre exige alguma coisa. Dessa forma, é verdade quando, por exemplo, homens dizem que não ligam para celulite, enquanto as mulheres acreditam que precisam se livrar dela. Apesar do olhar do outro estar condionado a um outro encarnado, na verdade, nossas exigências são sempre internas, como se fosse um outro em mim mesmo. É por isso que o que vemos diante do espelho ou o que buscamos nas clínicas médicas ou estéticas são muito mais resoluções para nossas questões internas. Estar bem consigo mesmo é encontrar equilíbrio entre a beleza possível e a pseudo exigência da sociedade e da mídia.

Por Elizandra Souza | Psicoanalista