Gustavo Canalonga é maquiador e cabeleireiro profissional, foi professor de postura e passarela por muitos anos e também cursou a faculdade de Comunicação Social. Manteve um programa na TV aberta, um programa de rádio e foi fundador da Revista Camarim, além de ter sido colunista social por mais de 20 anos. Hoje é escritor da sua própria história…

Foi dependente químico por 30 anos e soro positivo há 11. Após contrair a doença se tornou ativista na conscientização de DST/Aid e Drogas e da causa Gay. Neste periodo palestrou sobre estes temas em todo Brasil, instituições e faculdades, inclusive em alguns países da Europa. Todo este trabalho fez com ele lutasse pela fundação da Casa Amor e Vida.

Além deste projeto, o ativista lançou um livro em agosto de 2014. “Revirando a Lata do Lixo me Encontrei” é uma autobiografia que tem o propósito de contribuição social e também busca conscientizar as pessoas, sobretudo os jovens, de que o contágio da Aids pode acontecer em qualquer descuido.

A Revista Bem Viver esteve com o ativista e abaixo segue a entrevista na íntegra:

RBV – Gustavo, como as drogas interferiram em sua vida?
GC –
A droga me levou a Aids. Nós somos responsáveis pelas nossas escolhas e eu escolhi este caminho por muitos anos de minha vida. Costumo dizer que tudo na vida é uma escolha. Eu só não esperava que teria as consequências que tive. Este caminho é danoso, é cruel e acaba com a vida do indivíduo. A droga é um caminho sem volta, uma via de mão única. Para fugir de mim mesmo usei cocaína por 30 anos e fumava 25 cigarros de maconha por dia, álcool também fazia parte deste “coquetel do mal”. Então eu falo com propriedade, estas atitudes acabam com a vida do ser humano. O “brinde” que ganhei por estas atitudes irresponsáveis foi o HIV. As drogas te tiram o centro, tiram o raciocínio e o foco. O fim é a dor, a depressão, é o chamado “fundo do poço”. Tudo em nós comunica algo, nós não podemos é nos permitir uma comunicação negativa mediante a vida!

RBV – A que ou a quem você se apegou quando foi diagnosticado soro positivo?
GC – Me apeguei a fé, tenho a certeza que a fé me sustentou nos primeiros momentos e é o que o me sustenta até os dias de hoje.  A melhor condição de fé é aquela que: em seu firmamento te coloca de pé! Eu não tive apoio de familiares e nem de pessoas próximas, acredito que isso aconteceu porque ninguém estava preparado para este diagnóstico e me vi sozinho. Foi aí que agarrei em Deus e acreditei que eu superaria. Eu não tive colo de nenhum familiar, nunca ouvi uma palavra de conforto como: “O que você está sentindo” ou “Você não está sozinho”. É por isso que tento fazer diferente com os que me procuraram, tento fazer a diferença na vida deles da melhor maneira possível, aconselhando e orientando através da Casa Amor e Vida! Quem orienta, acolhe e cuida, transforma!

 RBV – Qual foi a reação que teve nas primeiras horas após confirmar o diagnóstico?
GC –
Não me desesperei, porque já tinha encarado muitos problemas na vida. Saí de casa aos 12 anos e sempre tive uma vida solitária. Fui acolhido pelos meus avós e eu tinha somente a eles. Meu avô, que considero meu pai, Gustavo Tavares da Silva, foi o homem que me ensinou valores, ele tinha uma imensa respeitabilidade em Varginha e no Sul de Minas decorrente de sua honestidade, hombridade e religiosidade. Ele era devoto de Nossa Senhora Aparecida e me conduziu a religião. Hoje eu posso dizer que tenho devoção pela Santa igual meu pai tinha. Minha mãe biológica esteve em alguns momentos comigo, tenho gratidão por ela! Bons sentimentos, geram bons resultados!!! Muito obrigado….

RBV – Quais foram as primeiras reações que a doença trouxe?
GC –
Sentia muitas dores nos membros. Parecia que meus braços e pernas estavam pegando fogo, de tanto que ardiam. Me lembro de me arrastar com lagartixa em meu salão, problemas no rosto com manchas e ardumes fazendo me sentir constrangido, juntamente com tantos incômodos nas pernas.

RBV – Onde o paciente pode buscar ajuda assim que é diagnosticado soro positivo?
GC –
O primeiro passo é buscar apoio do programa DST/Aids que existe dentro das Policlínicas. Lá o paciente vai encontrar uma equipe multidisciplinar. A equipe realiza alguns procedimentos para comprovação da doença. Hoje temos em Varginha, o teste rápido feito com segurança, resultado em 15 minutos. São realizadas algumas entrevistas e encaminham o paciente ao psicologo. Especialmente nos Postos em Varginha existem excelentes profissionais, preparados tecnicamente. Além de serem extremamente capacitados, são muito humanos, sabem tratar as pessoas com muito carinho, sejam estas crianças, jovens, adultos e idosos. Hoje em dia é muito alto o número de idosos infectados, este público precisa de muita atenção. Vale dizer que tenho uma amiga, ativista, em Porto Alegre, que é muito querida por mim, pela pessoa que é e pelo trabalho que desenvolve. O nome dela é Beatriz Pacheco. “HIV Véia”, é assim que gosta de ser chamada. Ela é médica, já é uma pessoa de idade e faz palestras contando sua experiência de vida após contrair o HIV e orientando os mais velhos a transarem com segurança.

RBV – Como você tem se adaptado aos medicamentos?
GC –
Já sofri e sofro muito com os efeitos do coquetel. Já me vi em crises de choro, vontade de ficar só, sofri pelos cantos, já estive profundamente deprimido por causa dos componentes dos medicamentos. Sei de casos que pessoas que pensaram em suicídio, assim como eu cheguei a pensar. Mas a conduta espiritual nos faz forte diante dos dissabores. Somos aquilo que “pensamos e acreditamos”. Atualmente, graças a equipe médica que me atende, em especial Dr. Luiz Carlos Coelho, Dr. Leonardo Penha de Oliveira, Dr. Fernando Eugênio de Prado, Dr. Adrian Nogueira Bueno e em especial Dr. Fernando Ferry, referência de Aids no Brasil, do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, no Rio de Janeiro. Mudei meus remédios e há pouco mais de 1 mês tenho me sentido melhor. Sinto enjoos, mas meu problema atualmente está no metabolismo e não na Aids. Minha carga viral é zero, mas tenho tido problemas nos rins, cuido do coração, pulmão e outros órgãos devido aos medicamentos.

RBV – Qual a importância do tratamento psicológico para o paciente?
GC –
O tratamento psicológico é uma questão importantíssima, vale ratificar o papel indispensável que minha psicóloga, Renata Baldoni, tem até hoje em minha vida. Na psicologia, conseguimos encontrar o apoio fundamental. A terapia propõe que o paciente fique de frente as nossas verdades e aprendemos a lidar com nossas próprias dores. Começamos a perceber que não somos incapacitados, injustiçados e excluídos. Encaramos os problemas e abrimos a mente para olharmos para nós mesmos com amplitude.

RBV – Como você iniciou seu trabalho na Casa Amor e Vida?
GC –
Idealizava este projeto há muito tempo, desde quando iniciei meu tratamento e me afundei na depressão. Quando acordei, me vi na certeza que tinha que fazer algo pra ajudar o outro que poderia estar na mesma situação que a minha.  Porém, somente após algumas experiências gratificantes que vivi aqui no Brasil e no exterior, consegui jogar esta semente que foi plantada por anjos que encontrei em minha caminhada, que hoje fazem parte da composição executiva da Casa Amor e Vida e parceiros, como Dr. Fernando Ferry e todos os membros da diretoria da Casa, como a Vice: Leila Cabral.

RBV – Qual a finalidade da Casa Amor e Vida?
GC – 
A Casa Amor e Vida não só para orientar quem não tem Aids, mas também para acolher com amor quem tem. Existe um problema muito sério, porque as pessoas soro positivas, estão deixando de fazer o tratamento, isso por falta de amor próprio, por falta de apoio familiar, por falta de apoio social, por causa da depressão e também pelos efeitos colaterais gerados pelos remédios. E não é qualquer pessoa que chega e conta que é soro positivo, existe o “chamado preconceito acolhedor”, a própria aceitação é muito complicada. A Casa foi fundada pra isso, pra ser uma fuga segura, repleto de pessoas do bem e prontas para dar apoio a estes necessitados.

RBV – Desde o período que a Casa foi fundada, quantos atendimentos já foram feitos?
GC –
Inúmeros. Nossa equipe está sempre em atendimento. Já fizemos ações em escolas, no Propac, no presídio e até em casas de prostituição. Temos muitos casos pra contar: pessoas que conseguiram assumir pra família que é soro positivo, pessoas que passaram a se cuidar, a fazer o tratamento, pessoas que se conscientizaram e acolheram o próximo. Tudo isso já são os frutos do amor que a Casa plantou.

RBV – Como foi a experiência de escrever um livro?
GC –
Este livro realmente foi mais um marco em minha vida. Tive o prazer de contar com o apoio de Alessandra Espanha e seu marido, professor, Wellington Espanha, no desenvolvimento deste projeto. Eles tiveram um olhar humanitário para com minha pessoa e por isso sou grato a eles pelo resto de minha vida. Quando me vi ao fundo do poço, Alessandra me acolheu com afeto. Ela e seu marido me levaram pra dentro da casa deles e resolveram a me ajudar no desenvolvimento da obra. Além de arcar com todos os custos do projeto, disponibilizaram uma equipe de jornalistas de sua Agência. Aproveito para agradecer a jornalista Renata Mitidiere que foi quem me apoiou quando comecei a escrever um pouco da minha história. Confesso que foi e comecei a escrever um pouco da minha história. Confesso que foi muito doloroso, cheguei a deletar os arquivos por tamanha dor que eu sentia. Depois de 1 ano, voltei a transcrever cada momento de minha vida, mas desta vez com outro olhar, já mais espiritualizado, mais preparado e foi aí que dei conta que havia terminado. Afirmo que só consegui finalizar porque fui impulsionado por estes amigos e me senti extremamente amado. No dia 08 de agosto de 2014, na OAB, em Varginha, o livro foi publicado após muito esforço, lágrimas e orgulho. Apesar destes sentimentos aflorarem neste processo, confesso que raiva e revolta nunca se fizeram presentes em mim. Isto eu digo com a consciência tranquila. Você só reconhece alguma coisa porque conhece de perto tal situação e o movimento passa a ser pro-ativo.

RBV – Como você se vê hoje?
GC –
Me vejo um homem de garra.  Eu me cuido muito, sou totalmente eficiente em meu tratamento e em minha conduta. Na vida, diante a situação que eu me vi, o essencial não é ver ou ouvir o que o outro tem pra dizer. Aprendi que o que faz a diferença é tentar sentir o que o outro sente, pois somente sentindo conseguimos ter opinião do que está se passando. Por isso não julgo ninguém, já que não sei os sentimentos do próximo. Aprendi isso com minha própria dor, só eu sei o que passei e por isso cresci em todos os âmbitos de minha vida.

RBV – Qual palavra define Gustavo Canalonga hoje?
GC –
FÉ! Nada mais do que isso, simplesmente tudo isso.
gratidão gera gratidão.